Sophia & Eu começamos nossa vida juntos na Unidade de Terapia Intensiva, a UTI Neonatal. Foram 70 dias. Dias de aprendizado, de aflição, de garra e luta, foram 70 dias de vitórias, numa mistura de sorrisos e lágrimas.
Tudo foi muito rápido e dolorido.
Eu estava vestido de noivo, entrei junto com a Jessie na sala de cirurgia. Porém, me tiraram de perto dela, pediram para que eu subisse pelas escadas. Entrei no elevador. Coloquei as roupas verdes de quem entra numa sala de cirurgia. Quando passei pela porta de vidro escutei vozes doces, eram médicas e enfermeiras dizendo o quanto ela era linda e pequena. A Sophia havia nascido.
Eu perguntei, "como? Eu estava agora na UTI, essa é minha filha?"
— Sim - disse a médica. Parabéns papai, sua filha nasceu!
Sophia tinha naquele momento 1,005kg, prematura, pequena, frágil. Nasceu com hipóxia (baixa concentração de oxigênio). Os médicos realizaram o procedimento de intubação. Meu Deus como foram difíceis os momentos posteriores. Isso contarei em outro momento. Mas ali, enquanto Sophia iniciava sua batalha pela vida, numa outra sala do hospital, sua mãe partia. Jessie faleceu.
Eu, não tive tempo de chorar meu luto. Após a perda da Jessica foram 70 dias no Hospital.
Então vamos lá, vou compartilhar como foram esses dias...
No segundo contato que tive com a Sophia cantei a música que a mãe dela havia escolhido para o dia do nosso casamento. Esse momento foi mágico, a música escolhida pela Jessica era "Os Anjos Cantam", canção de Jorge & Mateus. Enquanto eu cantava a Sophia abriu os olhos pela primeira vez, ela sabia que era o papai cantando, no mesmo instante ela tentou me segurar, como se quisesse um abraço paterno. Chorei.
Nos primeiros dias eu não me alimentava direito, não dormia, não queria saber de me cuidar. Meu mundo tinha virado do avesso e eu só pensava em duas pessoas, na Jessica e na Sophia. Afinal as duas estavam na UTI. Jessie infelizmente estava num quadro irreversível de morte encefálica. A Sophia lutava para viver.
Quando passados 5 dias, eu estava dormindo numa cadeira ao lado da incubadora. Uma delicada enfermeira veio até mim e disse: "Vá embora Flávio, a Sophia precisa de você inteiro". Naquele momento eu entendi o recado. Eu não poderia ficar doente, eu precisava me reabilitar, pois se eu ficasse doente não poderia entrar na UTI Neonatal. E isso não podia acontecer.
Graças a Deus não fiquei doente, e pude comparecer todos os dias.
E assim fomos seguindo, eu acompanhava os relatos médicos, os exames, cada "ml" de leite que a Sophia tomava. O aumento de peso era uma vitória, o leite era de doação, outras mamães diariamente doavam um pouco de leite para os bebês que necessitavam.
Certo dia recebi uma ligação do Hospital, pediram para eu comparecer imediatamente na unidade. A médica queria falar pessoalmente. Meu Deus, pensei, o que aconteceu agora!?
Uma notícia que eu não esperava, a Sophia estava com trombose no pescoço e no coração. Era grave, muito grave, caso descolasse esse coágulo minha bebê poderia morrer.
E não foi só isso, Sophia teve ainda infecção hospitalar, anemia, recebeu transfusão de sangue e plaquetas. Tomou muita medicação que acabou afetando o fígado.
Olha, um bebê prematuro deixa a gente maluco, são tantas emoções, são tantos altos de baixos, são tantas "peças" que eles nos pregam, daria para escrever um livro só com esses 70 dias.
Perto do dia da alta, a médica me chamou novamente, a Sophia precisava operar, era uma cirurgia para retirada de uma hérnia inguinal. Senhor Deus, como entrar em uma sala de cirurgia novamente? E sentir todos aqueles anseios que envolveram a partida de Jessica?
Foram momentos delicados. Mas tudo foi um sucesso, Sophia estava bem, muito bem. Naquele momento eu desabei, foi um alívio misturado com a saudade da Jessie.
Muitas vezes dentro da UTI pensei que estava num banheiro feminino, eu estava num ambiente materno, mas eu precisava ficar. Ali pude aprender mais com as outras mães, cada uma com sua dor, cada uma com sua história, mas todas com muita vontade pela vida, muita garra de vencer. Por isso, decidi ajudar na luta pelos direitos das mães, que muitas vezes são vozes caladas.
Eu preciso fazer algo.
Quando entrava na UTI Neo, me perguntava: por quê tantos bebês prematuros?
Por quê desse sofrimento, tanto para os bebês, como para as mamães? Realmente não é fácil, é uma angústia diária. Senti a necessidade de levantar uma bandeira. No Brasil, 340 mil bebês nascem prematuros. A cada dez nascimentos, um é prematuro.
Por trás dessa estatística, tem uma mãe que se culpa, tem uma mãe que precisa de suporte, ela ficará dias na UTI, provavelmente não se cuidará como mulher. Provável que perderá seu emprego, talvez seu companheiro. É justo lutar para mudar esse cenário, que precisa de amparo.
Cada um com sua bandeira, a minha é roxa, a cor da prematuridade.
O que tirei de lição desses 70 dias?
Devemos lutar pela vida. Amar nossos familiares e amigos. Devemos ter mais compaixão pelas pessoas. Nem todos os dias estamos bem, somo seres humanos, cada um com sua dificuldade e dor. Tive que me restabelecer, repor minhas energias, a Sophia precisava de mim ali naquele momento, e por todos os dias que virão.
Hoje me tornei voluntário na ONG Prematuridade.com (www.prematuridade.com.br). Afinal eu decidi fazer algo.
Quero alertar as autoridades para construção de um Hospital Infantil e Maternidade, que seja um hospital de referência e totalmente público. Nosso Brasil é gigante, precisamos ter atendimento digno para as mães e pais de UTI, além de todo suporte clínico na alta dos bebês.
Assim foram nossos 70 dias de UTI. Você pode acompanhar a gente nas redes sociais, você pode também deixar seu comentário e nos contar a sua experiência.
Que Deus te abençoe, abençoe também sua família e amigos.